Reportagem Revista Época 29/05/2009


Quem observa a advogada Maria Fernanda Marcondes na sala de espera do consultório odontológico percebe que ela sofre ao ouvir o barulho da broca. As mãos ficam geladas e as pernas começam a tremer. É assim desde a infância. Mas, da última vez que foi ao dentista, Maria Fernanda teve uma experiência lúdica

Ela vestiu um par de óculos especiais e se divertiu assistindo ao clipe “Flor de lis”, do músico Djavan. Nem percebeu quando a agulha fina perfurou sua gengiva. Nem quando o dentista manuseou instrumentos pontiagudos em sua boca. “Até esqueci que estava no consultório”, diz.

Telas de LCD plugadas a iPods e óculos com imagens em alta resolução já aparecem em pelo menos 300 clínicas brasileiras. “A ideia é tranquilizar os pacientes e tornar a ida ao dentista mais prazerosa”, diz Rodrigo Bueno, da Associação Brasileira de Dentistas. Bueno adaptou uma esteira de massagens à cadeira dos pacientes. A “sessão de spa” acontece momentos antes da consulta. A pessoa deita-se confortavelmente na cadeira e regula a intensidade da massagem com um controle remoto.

Quando Bueno chega para a consulta, o paciente está menos estressado. “A anestesia aplicada em um músculo rígido dói bem mais que se for aplicada em um músculo relaxado”, diz Bueno. Técnicas de aromaterapia para disfarçar o cheiro de produtos químicos e salas anexas com acupunturistas e psicólogos completam o trabalho do dentista. A ideia é acabar com o trauma do alicate, da broca e da anestesia e, se possível, tornar a experiência prazerosa.

Boa parte das novidades tem efeito positivo na consulta, relatam os dentistas. Mas ainda é cedo para dizer de onde vem o relaxamento: se das terapias e tecnologias ou do efeito psicológico dessa parafernália. “De onde vem não importa. O que vale é que os pacientes ficam mais tranquilos e nós trabalhamos melhor”, afirma o dentista Eudes Gondim Júnior, especializado em tratamento de canais.

O dentista é disparado o profissional da saúde que mais causa medo aos pacientes, revela um estudo da Associação Americana de Odontologia. Estima-se que três em cada dez adultos tenham receio de ir ao dentista e pelo menos 10% demonstra sinais de desconforto, como mãos geladas e pernas trêmulas. Esse medo exagerado tem até nome: odontofobia, hoje uma área bastante estudada pela odontologia.

Nos casos mais extremos, o apoio da tecnologia pode até atrapalhar. “Eles veem os óculos como um recurso do médico para esconder a realidade deles”, diz John Fagun, membro da Sociedade Americana de Odontologia. “E não aceitam desviar a atenção para qualquer artefato que possa distraí-los.” Nesses casos, diz Fagun, a melhor estratégia é explicar passo a passo o que está acontecendo e interromper sempre que for necessário.

O passado da medicina justifica o medo que se tem de dentista. Os anestésicos não eram tão potentes quanto hoje, e sentir dor era comum. Extraía-se um dente sadio ao menor sinal de cárie. Era raro quem fosse acompanhado por um dentista ao longo da vida. E o destino de todos era terminar banguela e com um “casal” de dentaduras na boca.

Hoje, parte dos jovens de até 30 anos – acompanhados por dentistas desde a infância – chega sem cáries à fase adulta. Muitos só conhecem a limpeza e as aplicações de flúor. No máximo alinham os dentes mal posicionados e extraem os sisos. “Em cerca de 90% dos procedimentos, o paciente não sente mais dor”, diz Bueno.

Evitar a dor, aliás, é uma lei. Em cirurgias longas e delicadas, como implantes e enxertos, os pacientes são atendidos em hospitais, com anestesia geral e assistência médica. Até os tratamentos mais simples hoje têm aliados: há brocas silenciosas para crianças, produtos químicos que removem cáries superficiais e sedativos inalatórios que dispensam o uso de agulhas.

Os microscópios adaptados transformaram a rotina dos dentistas. Além de favorecerem uma postura mais ergonômica do profissional, sempre debruçado sobre o paciente, eles se provaram fundamentais em tratamentos de canais. “Ajudam a preservar estruturas frágeis e difíceis de ser vistas a olho nu”, diz Gondim Júnior.

A novidade que deve tornar a odontologia ainda mais precisa vem da tecnologia. Os novos programas para implantes dentários permitem criar moldes físicos da arcada do paciente. Esses moldes são marcados com o local exato em que o dentista deve perfurá-los no momento da cirurgia. Nunca foi tão fácil – e sem dor.